29 setembro 2006

 

DE MÉDICO, MARKETEIRO E LOUCO
TODOS NÓS TEMOS UM POUCO

Depois da postagem do último e-journal, uma pessoa de Sobral (CE) me escreveu perguntando se eu não tinha algum texto que falasse sobre marketing na área da saúde. Ter, na verdade, eu não tenho, mas me lembrei de "case" (que o Madia chama de Causo) de um plano de marketing para uma clínica psiquiátrica que a gente fez já faz uns sete anos.
A estória começou em uma festa na casa de um amigo, que me apresentou um médico psiquiatra e foi logo dizendo: "Quero que você conheça um grande marketeiro." De novo aquela dúvida (é elogio ou ironia ?).
De largada o doutor começou a falar que tinha uma clínica psiquiátrica que vinha passando por dificuldades, pois tinha apenas 50 % dos leitos ocupados e estes eram de clientes de convênio, cuja rentabilidade era pequena. Tinha bolado já um plano de fazer anúncios em VEJA SP e de colocar um imenso "back light" na frente da clínica para atrair clientes e queria saber se eu poderia ajudá-lo na criação.
Lembrei de uma frase que o amigo José Xavier Borges Jr. sempre diz: "Mas vale uma resposta errada para uma pergunta certa, do que uma resposta certa para uma pergunta errada." E era o caso. O cliente em questão, que além de médico de loucos estava pronto a cometer uma insanidade, pois se achava conhecedor do assunto, tinha pronta em sua cabeça um diagnóstico calcado na definição errada que se tem do marketing, que é o ato de fazer publicidade ou propaganda, como se esta fosse a única forma de de obter clientes. Para não alongar muito a discussão disse que seria necessário que eu conhecesse a clínica para poder entender melhor o produto e comunicá-lo de forma adequada.
Pedi que fosse realizada uma reunião entre eu e os seis sócios da clínica para "colher dados".
O que eu queria na realidade era fazer um diagnóstico mais elaborado do produto para poder definir um plano de ação que fosse realmente funcional. A reunião foi marcada com os seis médicos e lá fui eu conhecer um hospital psiquiátrico que eu apenas tinha noção de ouvir falar do Pinel ou do Franco da Rocha e de ter assistido o filme Um Estranho no Ninho.
Quando lá cheguei, tive uma agradável surpresa, pois o lugar era muito bonito, às margens da Represa do Guarapiranga (Zona Sul de São Paulo) e com um largo espaço ao ar livre, além de ser um imóvel muito amplo e confortável, possivelmente uma antiga sede de alguma fazenda da região.
Depois de conhecer as instalações, vem a reunião e eu já havia notado vários ítens e conversado com vários enfermeiros para poder tomar o pulso do paciente. Minha primeira pergunta foi:
"Vocês fazem cirurgias aqui?" Ante a resposta negativa, disparei. "Então porque este ar esterilizado com luzes frias e paredes nuas?" A resposta óbvia foi: "Porque é um hospital." E não era verdade. Pelo que entendo de loucura (vide o título do artigo) internar um paciente em um ambiente daquele só o faria ficar mais deprimido, pois ele teria a consciência de que estaria em um hospital.
Segunda pergunta: "Quem é o seu cliente ?" Resposta: "São pessoas com dependência química (drogas e álcool), problemas emocionais, etc ?"
Outro engano. O cliente é aquele que se beneficia do produto e, neste caso, não é o doente é a família que tem um problema em seu seio e quer solucioná-lo. Além do que, é ela que vai pagar a conta. E a família não vai querer entregar seu ente querido para uma instituição fria, quando o que eles esperam é que ele seja acolhido e não internado.
Mais uma pergunta: "Como é mesmo o nome de seu cliente ?" Resposta: "Paciente." Mais um equívoco. Eu o trataria por hóspede, que vai ter, claro, um tipo diferenciado de atendimento, mas é um hóspede.
Outra pergunta: "Como é que o cliente chega até aqui ?" A reposta foi: "Através da indicação de psiquiatras." Ora, se é um psiquiatra que indica, porque vou fazer anúncio para o público em geral ?
Depois de algumas perguntas, pedi alguns dias para poder montar a "criação". Mas o que na verdade montei foi um plano de marketing que se baseava em três pontos principais:

1) Banho de loja na clínica para torná-la mais humana (plantas, almofadas, quadros, iluminação indireta, etc.)
2) Treinamento da equipe interna, inclusive dos médicos, para mudança de conceito de atendimento (de paciente para hóspede);
3) Montagem de um banco de dados com médicos psiquiatras da capital de cidades localizadas em um raio de 100 km da capital e convites pessoais (pelo telefone e feito pelos próprios médicos) para uma visita às novas instalações da clínica (open house).

Foi uma luta convencer os seis médicos que este plano era melhor que o "back light" e a VEJA SP, mas consegui.
O resultado?
Em 9 meses a clínica estava lotada de pacientes particulares e os médicos "loucos" de alegria.

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