06 outubro 2006

 

MENSAGEM A GARCIA
Muito antes de iniciar a publicação do e-journal, tomei conhecimento deste texto. Mas perdi o contato.
Hoje, meu grande amigo, José Xavier Borges Júnior, me presenteia com ele.
E eu repasso a vocês.
Em todo este caso cubano um homem se destaca no horizonte de minha memória. Quando irrompeu a guerra entre a Espanha e os Estados Unidos, o que importava a estes era comunicar-se com chefe dos insurretos, Garcia, que sabiam encontrar-se em alguma fortaleza no interior do sertão cubano, mas sem que se pudesse dizer exatamente onde. Era impossível um entendimento com ele pelo correio ou pelo telégrafo. No entanto, o Presidente precisava de sua colaboração o mais rapidamente possível. Que fazer? Alguém lembrou: "Há um homem chamado Rowan; e se alguma pessoa é capaz de encontrar Garcia, há de ser Rowan". Rowan foi trazido à presença do Presidente, que lhe confiou uma carta com a incumbência de entregá-la a Garcia. De como este homem, Rowan, tomou a carta, meteu-a invólucro impermeável, amarrou-a ao peito, e após quatro dias, saltou de um barco sem sequer uma cobertura, alta noite, nas costas de Cuba, de como se embrenhou no sertão para depois de três semanas surgir do outro lado da ilha, tendo atravessado a pé um país hostil, e entregue a carta a Garcia, são coisas que não vem ao caso narrar aqui pormenorizadamente. O ponto que deseja frisar é este: MacKinley, o presidente, deu a Rowan uma carta para ser entregue a Garcia; Rowan tomou a carta e nem sequer perguntou: "onde é que ele está?" Salve! Viva! Eis aí um homem cujo busto merecia ser fundido em bronze e sua estátua colocada em cada escola. Não é somente de sabedoria livresca que a juventude precisa, nem somente de instrução sobre isto ou aquilo. Precisa sim de um endurecimento das vértebras, para poder mostrar-se altiva no exercício de um cargo; para atuar com diligência, para dar conta do recado; para, em suma, levar uma "MENSAGEM A GARCIA". Rowan já não é deste mundo, mas há outros Rowans. A nenhum homem que se tenha empenhado em levar avante uma grande empresa, em que a ajuda de muitos se torna necessária, têm sido poupados momentos de verdadeiro desespero ante a incapacidade de um grande número de homens, ante a falta de disposição de concentrar a mente numa determinada coisa e fazê-la. A regra geral tem sido: assistência irregular, desatenção tola, indiferença irritante e trabalho mal feito. Leitor amigo, tu mesmo podes tirar a prova. Estás sentado no teu escritório, rodeado de empregados. Pois bem, chama um deles e pede-lhe: - Queira ter a bondade de consultar a enciclopédia e fazer uma descrição resumida de corrégio. Dar-se-á o caso de o empregado dizer calmamente: "sim senhor", e executar o que lhe pediste? Nada disso! Olhar-te á admirado para fazer uma ou algumas das seguintes perguntas: Quem é ele? Que enciclopédia? Onde é que está a enciclopédia? Fui eu acaso contratado para fazer isso? E se Carlos o fizesse? Já morreu? Precisa disso com urgência? Não quer que traga o livro para que o senhor mesmo procure? Para que quer saber disso? E aposto dez contra um que, depois de teres respondido tais perguntas, explicando a maneira de procura os dados pedidos e a razão por que deles precisas, teu empregado irá pedir a um companheiro que o ajude a encontrar Corrégio e depois voltará para te dizer que tal homem não existe. Evidentemente pode ser que eu perca a aposta, mas segundo a regra e a conduta geral, aposto na alternativa certa. Ora, se fores prudente, não te darás ao trabalho de explicar ao teu "ajudante" que Corrégio se escreve com C e não com K, mas limitar-se-á a dizer calmamente, esboçando o melhor sorriso: - "Não faz mal; não te incomodes". E, dito isso, levantar-te-ás e procurarás tu mesmo. E esta dificuldade de atuar independente, esta incapacidade moral, esta fraqueza de vontade, esta falta de disposição de solicitamente se pôr em campo e agir, são as causas que impedem o advento do socialismo puro. Se os homens não tomam iniciativa de agir em seu próprio proveito, que farão se o resultado de seu esforço redundar em benefício de todos? Por enquanto parece que os homens ainda precisam ser dirigidos. O que mantém muito empregado no seu posto e o faz trabalhar é o medo de, se não o fizer, ser despedido no fim do mês. Anuncia precisar de um taquígrafo, e nove entre dez candidatos à vaga não saberão ortografar nem pontuar - e, o que é mais grave, pensam não ser necessário sabê-lo. Poderá uma pessoa destas entregar uma carta para Garcia? - "Vê aquele guarda-livros", dizia-me o chefe de uma grande fábrica. - "Sim, que tem?" - "É um excelente guarda-livros. Contudo, se o mandasse dar um recado, talvez se desobrigasse da incumbência a contento, mas também podia ser que no caminho entrasse em duas ou três casas de bebidas e que, quando chegasse ao seu destino já não se recordasse sequer da tarefa que lhe fora dada". Será possível confiar-se a tal homem uma carta para ser entregue a Garcia? Ultimamente temos ouvido expressões sentimentais, demonstrando simpatia para com os pobres entes que lutam de sol a sol, para com os infelizes desempregados à cata do trabalho honesto, e tudo isso, quase sempre, entremeado de muita palavra dura para com os homens que estão no poder. Nada se diz do patrão que envelhece antes do tempo, num esforço inútil para induzir eternos desgostosos e descontentes a trabalhar conscienciosamente. Nada se diz de sua longa e paciente procura de pessoal, que, no entanto, muitas vezes nada mais faz do que "matar o tempo", logo que ele volta as costas. Não há empresa que não esteja despedindo pessoal que se mostre incapaz de zelar pelos seus próprios interesses, a fim de substituí-lo por outro mais apto. Este processo de seleção por eliminação está se operando incessantemente com a única diferença que, quando os tempos são maus e o trabalho escasseia, a seleção se faz mais escrupulosamente, pondo-se fora, para sempre, os incompetentes e os inaproveitáveis. É a LEI DA SOBREVIVÊNCIA DO MAIS CAPACITADO. Cada padrão, no interesse comum, trata somente de guardar os melhores aqueles que podem levar a "MENSAGEM A GARCIA". Conheço um homem de aptidões realmente brilhantes, mas sem a fibra necessária para dirigir um negócio próprio, e que ainda se torna completamente nulo para qualquer outra pessoa devido à suspeita que constantemente abriga, de que seu patrão o esteja oprimindo ou tencione oprimi-lo. Sem poder mandar, não tolera que alguém o mande. Se lhe fosse confiada uma mensagem a Garcia, retrucaria, provavelmente: "Leve-a você mesmo". Hoje esse homem perambula errante pelas ruas em busca de trabalho, em estado quase de miséria. No entanto ninguém que o conhece se aventura a dar-lhe trabalho, porque é a personificação do descontentamento e do espírito de discórdia. Não aceitando qualquer conselho ou advertência a única coisa capaz de nele produzir efeito seria um bom pontapé dado com a ponta de uma bota de número 44, sola grossa e bico largo. Sei, não resta dúvida, que o indivíduo moralmente aleijado como este, não é menos digno de compaixão, vertamos também uma lágrima pelos homens que se esforçam por levar avante uma grande empresa, cujas horas de trabalho não estão limitadas pelo som do apito e cujos cabelos ficam muito cedo envelhecidos na incessante luta em que estão empenhados contra a indiferença desdenhosa, contra a imbecilidade crassa e a ingratidão atroz, justamente daqueles que sem seu espírito empreendedor, poderiam andar famintos e sem lar. Dar-se-á o caso de eu ter pintado a situação em cores demasiado carregadas? Pode ser que sim; mas quando todo mundo se prende a divagações, quero lançar uma palavra de simpatia ao homem que dá êxito a um empreendimento, ao homem que, a despeito de uma porção de empecilhos, sabe dirigir e coordenar os esforços de outros e que, após o triunfo, talvez verifique que nada ganhou. Nada, salvo a sua simples subsistência. Também eu carreguei marmitas e trabalhei como jardineiro, como também já fui patrão. Sei, portanto, que alguma coisa se pode dizer de ambos os lados. Não há excelência na pobreza em si mesma; farrapos não servem de recomendação. Nem todos o patrões são gananciosos e tiranos da mesma forma que nem todos os pobres são virtuosos. Todas as minhas simpatias pertencem ao homem que trabalha conscientemente, quer o patrão esteja, quer não, e ao homem que, ao lhe ser confiada uma carta para Garcia, tranqüilamente toma a missiva, sem fazer perguntas idiotas, sem a intenção oculta de jogá-la na primeira sarjeta que encontrar, ou praticar qualquer outro gesto que não seja entregá-la ao destinatário. Este homem nunca fica "encostado", nem tem que se declarar em greve para forçar um aumento de ordenado. A civilização busca ansiosa, insistentemente, homens nestas condições. Tudo que tal homem pedir, conceder-se-á. Precisa-se dele em cada cidade, em cada vila, em cada lugarejo, em cada escritório, em cada oficina, em cada loja, fábrica ou venda. O grito do mundo inteiro, praticamente, se resume nisso:
"PRECISA-SE E PRECISA-SE COM URGÊNCIA, DE UM HOMEM CAPAZ DE LEVAR UMA MENSAGEM A GARCIA".

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